Gestão de dados na administração pública
Nos últimos anos, com o avanço tanto da digitalização como da globalização, vivemos numa sociedade em que os dados ocupam um lugar fundamental. Tudo o que fazemos no dia-a-dia origina dados que, quando bem geridos, geram poder.
Para dar um exemplo, no Facebook originam-se diariamente 4 petabytes de dados correspondendo a milhões de gigabytes de dados que, devido ao seu potencial valor, são armazenados na sua hive, conhecida como A Colmeia.
As organizações viram nisso uma grande oportunidade para gerar lucro e, como tal, não é estranho que nas redes sociais lhe apareça o anúncio do artigo que discutiu ontem com o seu amigo, que o seu banco lance campanhas de marketing com base nas suas necessidades específicas ou que seja possível falar com um ecrã que o aconselha como cozinhar as melhores lentilhas.
Todas estas ações que se tornaram quotidianas são o resultado da aplicação de tecnologias baseadas em dados, como inteligência artificial ou a big data.
No entanto, para extrair o verdadeiro valor da aplicação destas novas tecnologias, devemos primeiro de garantir que os dados que processamos são verdadeiros e representam a realidade. É por isso que surge a função da governação dos dados.
A origem da governação dos dados
Embora não haja um ponto específico em que se tenha a falar da Governação dos Dados, tal como a conhecemos agora, um dos grandes aceleradores da sua profissionalização surgiu na sequência da crise financeira de 2007.
Nessa altura, demonstrou-se a capacidade limitada do setor no momento de identificar os riscos e tomar decisões, pelo que as entidades reguladoras começaram a focar-se no tema, definindo regulamentos para evitar a repetição da catástrofe no futuro.
Em janeiro de 2013, o Comité de Supervisão Bancária de Basileia (BCBS) publicou um relatório com os 14 princípios para uma eficaz agregação de dados sobre risco e apresentação de relatórios, conhecido como RDA (Risk Data Aggregation). Estes 14 princípios são englobados em quatro blocos principais, que são a governação e infraestruturas, as capacidades de agregação de dados, a apresentação de relatórios e a supervisão.
Rapidamente se tornou notório o valor da boa gestão de dados, não só do ponto de vista da conformidade, mas também foi demonstrado que ter informação de qualidade permitia que os dados fossem tratados como um ativo estratégico na organização, chave para a tomada de decisões.
O sector privado começou a adotar estas práticas para alcançar um posicionamento vantajoso no mercado em relação aos seus concorrentes, baseando as decisões sobre os resultados dos dados e não em convicções individuais, como até então era comum.
Chegada à administração pública
Em geral, o sector público caracteriza-se mais por agir como guardião dos dados do que por gerar negócios a partir do seu tratamento, é por isso que a profissionalização da função de Governação dos Dados demorou a chegar à Administração Pública.
É uma realidade que as administrações públicas lidam com grandes volumes de dados relacionados com as pessoas, tanto físicas como jurídicas. Gerem o recenseamento, os sistemas de saúde, o tráfego, o sistema de transportes, o sistema educativo, os órgãos aduaneiros ou mesmo entidades reguladoras como o Banco de Espanha ou a Comissão Nacional do Mercado de Valores (CNMV), onde começou a profissionalização da função.
No entanto, é frequente encontrarem-se obstáculos burocráticos no momento de gerir os dados na administração. Existem inúmeros silos de informação que desempenham as suas funções de forma independente, perdendo os benefícios que seriam obtidos com uma gestão centralizada.
Por exemplo, os dados médicos não são centralizados entre os sectores privado e público ou, inclusive, entre diferentes hospitais, é preciso tratar de muitos papéis na altura de modificar o registo no decorrer de uma decisão ou, mais recentemente, vimos que os dados evolutivos da pandemia não eram os mesmos dependendo de quem os publicasse.
É por isso que se destaca a necessidade de digitalizar e melhorar o serviço prestado ao cidadão e, para tal, é indispensável o papel da governação dos dados.
O futuro é claro e, embora seja longo o caminho a percorrer, as bases para uma transformação digital completa já foram estabelecidas através da definição do plano nacional España Puede.
Plano España Puede
No passado mês de abril, o Governo de Espanha apresentou o Plano de Recuperação, Transformação e Resiliência da economia, conhecido como "España Puede",com o objetivo de minimizar os efeitos adversos derivados da pandemia. Nele, é desenvolvido um Plano Digital Nacional 2025 que conta, inclusive, com uma Estratégia Nacional de Inteligência Artificial (ENIA).
Neste contexto, há poucos dias ficámos a saber da nomeação de Alberto Palomo-Lozano como Chief Data Officer (CDO) de Espanha, que ficará encarregue de lançar a Oficina del Dato.
O seu principal desafio será conseguir a coordenação das diferentes administrações, tanto nacionais como autónomas e locais, através da definição das políticas e procedimentos de Governação dos Dados focados na transformação Data Driven, permitindo assim a utilização da informação para o benefício comum, tanto de todas as administrações como do cidadão em última instância.
A aplicação destas políticas servirá de guia para uma gestão adequada, tendendo à centralização da informação pública e colocando-a, sempre que a sua natureza o permita, à disposição do cidadão através de portais de dados abertos.
Um exemplo tangível desta tendência encontra-se na Secretaría de Estado de Digitalización e Inteligencia Artificial, onde já se está a promover a criação de um hub nacional de GAIA-X, orientado para a criação de espaços de dados em setores estratégicos, como o turismo e a saúde, para a partilha de conhecimentos e para a implantação da economia de dados.
Para além da estandardização, enfrenta o grande desafio da segurança da informação, estabelecendo as linhas de orientação para a coordenação entre as diferentes administrações.
Benefícios de uma gestão data driven
Embora o sector público esteja numa fase inicial de maturação em matéria de processamento de dados, já se vislumbram grandes iniciativas de dados de caráter global que estão atualmente a ser desenvolvidas localmente em alguns municípios.
Por exemplo, podem ser propostos modelos preditivos para estabelecer frequências no serviço de transportes públicos em função do afluxo detetado, os procedimentos administrativos serão agilizados e, em suma, será possível identificar as reais necessidades dos cidadãos, investindo assim nos projetos em que existe uma evidência científicas de que realmente acrescentam valor, graças à gestão eficiente dos dados.